A menos de uma semana do fim do atual mandato dos prefeitos cearenses, moradores de pelo menos seis municípios reclamam do atraso no pagamento do salário e do 13º, além da descontinuidade de serviços essenciais.
Práticas semelhantes nesse período de transição entre as gestões municipais já são alvos de investigação do Tribunal de Contas do Ceará (TCE) em pelo menos 19 cidades. Contudo, os relatos se estendem também a outros municípios do Interior.
Ao longo desta semana, servidores de três municípios realizaram manifestações públicas contra a gestão. Na última quarta-feira (23), em Reriutaba, cerca de 30 pessoas se reuniram na frente da prefeitura para reclamar do atraso no pagamento dos salários. "Ainda não recebemos o mês de novembro, tem alguns servidores com dois meses atrasados. Os principais afetados são os profissionais da Saúde e da Educação", relatou um das organizadoras do ato.
Os manifestantes relatam que, no ano passado, problema semelhante foi registrado, mas os pagamentos foram efetivados em 31 de dezembro. "Neste ano, a situação está parecida, mas, desde que o prefeito Osvaldo Neto (PDT) perdeu a eleição, não conseguimos falar com ele para negociar, por isso viemos à Prefeitura, mas não fomos atendidos", reclamou a servidora. O pedetista buscava a reeleição, mas acabou derrotado por Pedro Humberto (PSB).
Protestos
Em Acarape, o protesto ocorreu no último dia 18 de dezembro. Cerca de 30 servidores protestaram contra o atual prefeito, Franklin Veríssimo (PSD). Na manifestação, funcionários efetivos e temporários cobraram o pagamento de salários atrasados, férias e 13º salário. "Recebemos um cronograma de pagamento em outubro, mas não foi cumprido. A informação era de que os contratados iriam receber no dia 18, mas não ocorreu, ainda estamos sem os salários de novembro e dezembro", conta uma professora.
"Saúde, educação e limpeza urbana estão nessa situação, tem casos de servidores com três meses de atraso. É um caso de desmonte, ele perdeu a eleição e está atrasando o pagamento. Sinceramente, não temos mais nem esperança de receber", acrescenta.
Por outro lado, o prefeito de Acarape nega as acusações da professora. Segundo ele, os servidores efetivos foram pagos e os contratados estão com atraso de 20 dias, mas serão quitados ainda neste ano. "É politicagem para criar factoides, tudo está tranquilo na transição", afirma Franklin. No próximo dia 31, ele deixa a prefeitura. Como não conseguiu eleger aliados, verá assumir a chefia do Executivo municipal um adversário, Edilberto (PDT).
Em Amontada, os servidores da educação têm queixas semelhantes contra a gestão de Valdir Herbster Filho (PDT), que não disputou a última eleição: atraso no pagamento de salário, 13º e férias. "Estamos em um impasse, o setor de recursos humanos (RH) alega que é um problema da Secretaria de Finanças, mas a secretaria diz que é do RH. Estamos de mãos atadas esperando que resolvam. Segundo nos informaram, até dia 30 a situação deve ser resolvida, mas até lá não recebemos nada", reclama uma professora da cidade. Herbster é mais um dos prefeitos que deixará o cargo no fim do mês.
Saúde
Em Juazeiro do Norte e Trairi os problemas relatados por funcionários públicos foram na área da saúde. Moradores do distrito de Canaã, na cidade litorânea, dizem que, há pelo menos dez dias, dois postos de saúde que atendem à região foram fechados. "Dizem que é recesso, volta no fim do ano, mas quem está doente não tira recesso. Temos que ir atrás de atendimento agora na sede de Trairi", reclama um morador da localidade. O atual prefeito da cidade, Dr. Marcos Paulo (PSB), não conseguiu se reeleger.
Já em Juazeiro o atraso no pagamento de funcionários da saúde só foi resolvido após protesto na semana passada. Cerca de 200 profissionais paralisaram parcialmente as atividades no Hospital Maternidade São Lucas e na Unidade de Pronto Atendimento do bairro Limoeiro, que atende, inclusive, pacientes com Covid-19. As duas unidades são administradas pela Associação das Crianças Excepcionais Nova Iguaçu (Aceni).
Segundo eles, o atraso já durava dois meses. Após o protesto, o Município assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e se comprometeu em repassar, até o próximo dia 30, R$ 4,5 milhões para a Aceni pagar os profissionais. Após o acordo, os serviços foram restabelecidos. A prefeitura da cidade também passa por transição. Arnon Bezerra (PTB) saiu derrotado das urnas na disputa contra Glêdson Bezerra (Podemos).
Transição
No último dia 15 de dezembro, auditores do TCE concluíram a análise da administração pública de 19 prefeituras cearenses - entre elas Reriutaba, Juazeiro do Norte e Trairi. Em todas foram identificadas irregularidades. Entre as condutas mais comuns estão: contratação e demissão de funcionários próximo às eleições, falta de transparência na transição e descontinuidade de serviços essenciais.
As prefeituras foram escolhidas com base em uma "matriz de risco", uma espécie de ranking, que levou em conta prefeitos que não conseguiram se reeleger e não elegeram aliados. O critério foi definido a partir de uma parceria entre o TCE e o Ministério Público do Ceará (MPCE). Os auditores elaboraram relatórios que agora embasam os conselheiros da Corte na definição de condutas para os prefeitos.
Sem resposta
Prefeitos e secretários de Amontada, Trairi e Reriutaba foram procurados pelo Diário do Nordeste, mas não responderam às ligações. A reportagem optou por não divulgar o nome dos servidores que fizeram as denúncias.
MP: População deve denunciar
Enquanto tenta sufocar práticas de desmonte em prefeituras, o Ministério Público do Ceará (MPCE) também busca estimular que a população denuncie condutas irregulares. "Por mais diligente, criterioso e ativo que possam ser os órgãos de controle, nunca vai chegar ao nível de qualidade, quantidade e excelência que a própria população é capaz de ter. Ela sabe o que está acontecendo, sabe das necessidades e consegue dimensionar os problemas melhor que qualquer fiscal", destaca a procuradora de Justiça Vanja Fontenele, coordenadora da Procuradoria dos Crimes contra Administração Pública (Procap), do MPCE.
Segundo ela, práticas como atraso no pagamento dos servidores e interrupção de serviços essenciais são comuns no período. "O prefeito que está saindo quer deixar o caos administrativo para o adversário. Combatemos isso agora na transição. Procuramos identificar os municípios com alto risco e fizemos reuniões nesses locais para alertar os prefeitos sobre a situação e que, caso não seja resolvido, eles podem ser responsabilizados", disse.
Segundo o promotor de Justiça Silderlândio do Nascimento, coordenador-adjunto do Centro de Apoio do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP), a prioridade é resolver as situações sem que precisem ser judicializadas. "Isso acaba dificultando, porque o juiz não vai conseguir gerenciar as contas públicas. O melhor é chamar a responsabilidade para que o próprio gestor efetive o pagamento", explica.
Conforme o MPCE, até agora, 20 processos já foram instaurados no Ceará em razão de investigações feitas por promotores das comarcas nos municípios investigados. Apesar do recesso do Ministério Público, que deve seguir até o próximo dia 6 de janeiro, a coordenadora da Procap ressalta que o órgão atua em regime de plantão. "Casos de desmonte, por exemplo, são registrados e analisados. Caso haja urgência, serão adotadas medidas. Os outros casos são analisados no retorno. O importante é que os agentes responsáveis por qualquer tipo de ilicitude serão responsabilizados", alerta Vanja Fontenele.
Municípios investigados
A Operação Transição Responsável, realizada a partir de uma parceria entre o TCE e o MPCE, analisou documentos das prefeituras de Uruburetama, Juazeiro do Norte, Bela Cruz, Acaraú, Quixeramobim, Milhã, Maranguape, Antonina do Norte, Caucaia, Boa Viagem, Itapajé, Alto Santo, Ererê, Tejuçuoca, Russas, Trairi, Jaguaribe, Quixadá, Reriutaba.
Falhas na Gestão
As dos auditores buscaram irregularidades em duas áreas da gestão. Em uma, buscaram possíveis irregularidades nos registros contábeis, financeiros e patrimoniais antes, durante e após a eleição. Em outra, analisaram possíveis falhas em gastos com pessoal nos atos de gestão. No primeiro grupo, foram incluídos seis municípios. No segundo, outros 13.
DN
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